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terça-feira, 13 de julho de 2010

Que merda, Borba!



Parece que eu tô vendo Borba chegar aqui na Brava gritando, estabanado, todo desajeitado... Gordo que só e sem se cuidar de jeito nenhum. Às vezes me dava uma raiva... Eu precisando de concentração e Maurício Borba trazendo sua alegria para invadir impunemente a minha sisudez. Era o mais inconveniente e mais feliz de todos os fotógrafos. Mas gente sisuda só tem alegria em horas marcadas.

José Nilton Maurício Borba Costa não tinha maldade no coração. Ele era apenas um cara sem-noção e muito feliz. Mais feliz do que muitos de nós, com certeza. E muita gente tinha dívidas com ele (não apenas eu). Um fotógrafo de Caruaru uma vez me perguntou se eu conhecia Maurício Borba. Quando eu disse que sim, ele falou: “pois diga a ele que de dez anos para cá tenho sido muito grato pela ajuda”. Não perguntei nada, apenas dei o recado e Borba disse: ”aquele cara é muito gente boa”.

A única coisa em que consigo pensar agora, antes de ir ao enterro dele é que não deu tempo. Já parou pra pensar que nunca dá tempo de a gente dizer às pessoas o quanto elas são importantes? Estamos sempre trabalhando e muito ocupados para a felicidade.

Os eventos não serão mais os mesmos sem Borba atrás de mim para querer tirar uma foto enquanto eu reclamava: não quero, não sou fotogênica. Porra, Borba! Só aquele FDP sabia tirar fotos minhas. São deles todas as fotos que uso em entrevistas. E eu pedia para ele não usar o photoshop e ele dizia: "não é photoshop, só vou jogar uma luz em cima". Eu fingia que acreditava e ele fingia que tinha me convencido.

Borba era um ser conectado, participava de tudo quanto é rede social e divulgava o trabalho de muita gente. Fui procurar um depoimento que ele fez para mim no Orkut e, não sei por que, não estava mais lá. Isso doeu também. Vez por outra, ele deixava um pensamento ou um poema no MSN dos amigos. Para mim, o último que ele deixou faz uns três ou três meses e era de Cecília Meireles: “Há pessoas que nos falam e nem as escutamos, há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam, mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre”.

Hoje, para mim, o MSN não tem graça, o Facebook pode acabar, as mensagens podem ser apagadas, não tenho vontade de tuitar e quero é que o mundo on-line se dane. Eu quero é vida real! Mais tarde, tomo uns chopps em homenagem a ele, que era chamado carinhosamente por nós, da Brava Comunicação, de Borboroso (uma mistura de horroroso e asqueroso). E vou refletir sobre e a vida e a morte. Que merda tu fizesse, Borba!

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Viver é colecionar afetos

Ouvi esta semana, de um velhinho que filosofava alto, em um banco qualquer da aprazível Praça de Casa Forte, que viver é colecionar afetos e descartar desafetos. Continuei caminhando até completar uma volta inteira e olhar para aquele senhor, que deveria ter uns 80 e tantos anos e alguma história de vida para contar. Ele insistia: “guarde os afetos, esqueça os desafetos”. Desisti da caminhada para ouvi-lo de um banco próximo: “De nada valem as pétalas do mal-me-quer, fique só com as boas querenças”.

Não estava bêbado o homem, não se apresentava mal vestido e tampouco parecia padecer das agruras intelectuais da senilidade. Eu quis conversar, porém recuei, no receito de que ele ocupasse minhas horas de trabalho. Devo ter perdido alguns ensinamentos de vida, mas gravei na memória muito do que testemunhavam árvores e caminhantes.

Dizia ele sentir falta dos amigos. Falou saudosamente de um tal Roberto Paiva e senti-o quase chorar. O filósofo discursava: “quantas confissões fiz, quantas lágrimas e risos pude compartilhar com pessoas que titulei eu próprio de amigos...” Eu pensava junto também (em silêncio) que nossos afetos vão muito além de relações de sangue ou de amores carnais. Amigos são seres especiais por nós escolhidos para que estejam ao nosso lado na caminhada.

Minutos depois, o velho falava do Recife de ontem, das farras em clubes, de carnavais, das viagens que fez e até de algumas paixões. E repetia várias vezes: “que saudade de Roberto.” Já se passavam uns quarenta minutos e eu precisava voltar, mas fiquei mais um pouco. Queria saber mais sobre aquele tal amigo, pai, filho ou até paixão recôndita chamada Roberto. Apostei que seria amizade, um grande afeto, um irmão de coração, desses que a gente jamais esquece.

O homem discursava ao léu, mas os taxistas da Praça também podiam ouvi-lo. Era quase uma pregação: “Viva o presente. O amanhã nem existe, o ontem já se foi... Quantos sorrisos perdemos por estarmos preocupados com o amanhã... Quantas preocupações ganhamos por não desviar nossa mente do ontem...Que saudade de Roberto Paiva”.

Eu já ia embora quando uma jovem fardada de enfermeira (talvez, era roupa branca, nunca se sabe), que estava próxima ao ponto de táxi, aproximou-se dele e disse: “Vamos? Está na hora!” Ele a acompanhou com seus passos hesitantes. A moça o conduziu a um veículo com um motorista e outro passageiro ao lado. E partiram...

Os taxistas acenaram para ela. Nessa hora, eu me levantei e perguntei: esse senhor é alguém famoso? Algum escritor? Professor? E os taxistas disseram que não sabiam a profissão, mas que uma vez por semana, o “doutor” Roberto sentava naquele mesmo banco, há vários anos.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Até que a morte nos separe?

Poucas coisas devem ser tão estressantes na vida como o fim de um casamento ou mesmo de um relacionamento sério. Quem já sofreu uma perda dessas sabe que a dor é tão grande que pode nos fazer gritar e calar ao mesmo tempo. Saem tantos pedacinhos de tanta gente que, mesmo no final, quando conseguimos juntar tudo, nem sei mais se encaixamos as peças da mesma forma como eram antes, se somos as mesmas pessoas. É por isso que todo rompimento também nos rompe cruelmente.

E não nos disseram que seria para sempre? Por que criamos essa expectativa de que seria para a vida toda, até que a morte nos separasse? Pois é, ninguém nos avisou, mas a gente termina aprendendo que não é a morte do corpo que nos separa do outro, é a morte da alma, do afeto, da admiração, do desejo, da tolerância. São várias mortes juntas. Intrometendo-me nos assuntos psicológicos, dos quais sou apenas uma leitora atenta, acho que buscamos a estabilidade e não queremos nos submeter ao estresse de ficar buscando o que nem sempre sabemos o que é. Mas, se a vida é uma eterna busca, e agora? Uns se aventuram enquanto outros se acomodam. Estes últimos viverão infelizes para sempre. É pior, pode acreditar no que digo.

O desenlace é de todo ruim, mas há alguns momentos que mais parecem um estouro de lâminas a nos ferir de dentro para fora, como se tudo em nós já estivesse ruído e precisasse ser expulso da mais castigante maneira possível. Olhar para o guarda-roupas, por exemplo, e enxergar a completa ausência é torturante, bem como o vazio de um lugar à mesa, da vaga na garagem, a televisão, objetos que foram esquecidos na partida, as fotos. Ai, as fotos...

Os amigos, de que lado estarão? Salvo exceções, a maioria permanece do lado do homem, tenha ele ficado ou partido. Pode olhar e ver ao seu redor, não sei se é machismo, mas, na maioria dos casos, a mulher fica com a família e o homem com o ciclo de amizades. E, note, há amizades que também se rompem com a separação, pois só faziam sentido quando o grupo estava todo junto. Após uma dura jornada que pode incluir litígio, acusações, chantagens e briga por dinheiro, entre outras coisas ruins que fariam você franzir o corpo inteiro só de lembrar, o mar vai se acalmando. E, então, todos estaremos prontos para a próxima. NÃO, NÃO E NÃO! Que o destino nos livre de passar por isso outra vez.

Para nos consolar, há os amigos fiéis, alguns tragos de sua preferência, as rezas (para quem nelas acredita) e a frase consolo de toda separação: “O tempo é o senhor da razão”. Ai que raiva dela... Nem lembro quem foi o primeiro a dizer isso, mas eu gostaria de desdizer: o tempo não é o senhor da razão, nós é que mudamos as nossas razões com o passar do tempo.

domingo, 4 de julho de 2010

Hoje é a melhor ocasião

Não tenho o hábito de guardar nada para uma ocasião melhor. Vinho, vestido, sapato, anel, bolsa... Tudo o que eu compro ou ganho, uso na primeira oportunidade cabível. Sei lá se haverá outra oportunidade... Com esse cenário de tanta violência, é possível que eu leve um tiro na próxima esquina, como também é possível que eu lá encontre algum pedaço de saudade boa na imagem de alguém querido. Se eu me encontrar com Nelly Carvalho (uma amada ex-professora), já posso dar o dia por ganho. Aliás, foi exatamente o que aconteceu hoje pela manhã. Cruzei com uma das mulheres que mais me inspiraram e incentivaram a escrever. E, em três avaros minutos, Nelly me fez desbloquear e voltar ao teclado após quase duas semanas sem conseguir colocar palavras nos meus sentimentos.

Acho que não há ocasião melhor para fazer algo do que quando estamos com vontade de fazê-lo. Eu vou lá esperar um convite para jantar para usar meu scarpin vermelho? Não! Eu uso logo para trabalhar e pronto. Ponto. Os que pensam diferente dizem que vontade é uma coisa que dá e passa... Mas eu não quero passar vontade. Eu quero viver tudo logo porque não posso ter certezas concretas sobre o amanhã. Eu quero ter a consciência do hoje, sem me preocupar arduamente com um futuro que não é desenhado exclusivamente por mim, mas pelo acaso. Se todos os nossos planos e projetos seguissem sempre da forma como nós os traçamos, aí a pena valeria... Mas sempre vem o destino e tudo muda. Meu dia seguinte não depende apenas de minhas ações.

Foi com esses argumentos que cheguei à casa de uma amiga, que guardava a sete chaves e há sete anos uma garrafa de Brunello Montalcino Biondi Santi para os quinze anos da filha. Como ela ainda não conseguiu engravidar, apesar dos inúmeros tratamentos do marido, eu quis convencê-la de comemorarmos o dia de hoje, fazermos um brinde à respiração, à chuva, ao décimo quinto andar do prédio ou à mudança (para mais) da graduação dos meus óculos. Melhor: façamos um brinde à inteligência e sensibilidade de Nelly Carvalho!

Recalcitrante e pirangueira, ela chorava lágrimas secas, dizendo que a preciosidade era para o début de Dafne. Dafne? Minha nossa, a cada novela que se passa, ela muda o nome da filha. A menina nem foi gerada, mas já foi chamada de Donatela, Flora, Lara, Capitu e até Lindalva. Deixando a não concebida de lado, convenci a amiga de que abrir o vinho nos faria rir muito.

Taças de cristais a postos, saca-rolhas em posição e pronto! Iríamos beber um dos melhores vinhos do planeta. Qual o quê! A cor da bebida já era o prenúncio de que algo não ia bem. Ao primeiro gole, declarei: avinagrou! Ela disse que era impossível, porque estava na adega e que a rolha, e que o tempo, e que a safra, e que a garrafa, e que o tempo...

O tempo passou, o vinho passou e nós também passamos. Eu é que não deixo a felicidade para amanhã...

sexta-feira, 2 de julho de 2010

E tudo volta ao normal

Eu não estava torcendo contra o Brasil, mas sempre me incomodou o fato de um país inteiro parar para ver um jogo de futebol. Pior do que isso é o claro estímulo à rivalidade com a Argentina em inúmeras campanhas publicitárias e o desrespeito a um técnico que fez as escolhas que julgou cabíveis. Se ele errou, paciência... Quem aqui já não errou nas escolhas? Vi muita gente fomentando a violência, a desunião, o embate! O objetivo não é unir os povos? Para que tanta briga, então? Que bom que tudo agora volta ao normal...

Todos os dias em que havia jogo, eu lembrava aquela música de Raul Seixas:

“O empregado não saiu pro seu trabalho
Pois sabia que o patrão também não tava lá
Dona de casa não saiu pra comprar pão
Pois sabia que o padeiro também não tava lá
E o guarda não saiu para prender
Pois sabia que o ladrão, também não tava lá
e o ladrão não saiu para roubar
Pois sabia que não ia ter onde gastar”


O País inteiro estava parado, quase que uma vagabundagem nacionalmente permitida. Será que tá certo isso?

Não sou devotada ao futebol (e talvez por isso não entenda essa paixão nacional), mas sou, sim, apaixonada pelo país onde nasci, onde vivo e que é uma grande potência econômica mundial. A seleção brasileira faz despertar em todos esse orgulho, esse nacionalismo que vez por outra a gente esquece. Vesti-me de verde e amarelo durante todos os jogos e entristeci-me com a derrota de hoje.

Mas sei que com essa derrota, voltamos à vidinha de antes. Agora só em 2014! E, como a Copa será aqui, não duvidem se for feriado nacional durante o mês inteiro da Copa.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

ENTERRO SEM LÁGRIMAS

Começo a ler os jornais pelos anúncios fúnebres. Vejo os sobrenomes, os nomes estranhos, quem convida, o local do velório, do enterro e, principalmente, os textos ali inseridos, quase todos muito parecidos... Acho interessante. Vez por outra encontro uma boa notícia, mas isso não vem ao caso. O que me motivou a escrever algo tão insólito foi a estranheza do enterro a que fui há alguns dias.

Vez em quando eu vou para enterros e ainda espero ir a muitos, muitos mais. Mas aquele era, para mim, algo protocolar. Classifico dessa forma quando o de cujus não é ninguém com quem mantenha laços afetivos, mas que está relacionado a alguém muito próximo. Eu tinha que estar presente, mesmo não sentindo nada pelo infeliz. Infeliz mesmo, porque naquele velório ninguém chorava, nenhuma alma viva ou morta; nem as moscas davam atenção para aquela caixa enorme de madeira pesada, com flores, panos e um corpo que jazia desacompanhado.

Ninguém se descabelava, nem se atirava ao caixão dizendo: “EU QUERO IR JUNTO! EU QUERO IR JUNTO”. Também não havia uma viúva alisando o rosto gélido, ninguém dopado sob efeito de calmantes e nem os dois filhos abraçados consolando-se mutuamente. Até em enterro de bandido a gente encontra alguém dizendo: “ELE NÃO MERECIA...” Será que esse home não merecia nem uma velha carpideira?

Era um enterro seu muita gente. Fiquei perplexa com a falta de quórum para uma rezazinha... Pior foi ver a ausência de várias pessoas próximas ao homem. O pai (que está muito velhinho e ninguém se dispôs a ir buscá-lo no interior), a irmã mais nova (que estava pajeando a neta recém-parida) e as ex-mulheres, que teriam dito ter mais o que fazer. A atual esposa, de uma série de cinco, era a única que estava desolada num canto. Todo o resto conversava e contava a história de como tinham sido os últimos dias do homem. E eu, com meu sangue italiano, que me faz explodir em lágrimas para qualquer cãozinho manco que passe na rua, também não conseguia me emocionar o suficiente para sequer marejar os olhos. Cruz-credo, que frieza...

Ele não morrera subitamente, a morte já estava sendo esperada havia uma semana. Passou quase dez dias internado no hospital com insuficiência hepática. Talvez por isso, estava tão amarelado. Meus parcos conhecimentos médicos advindos de uma hipocondria controlada me dizem que deveria ser impregnação de bilirrubina. O inchaço era tanto que o desgraçado precisou ser enterrado descalço, pois nenhum calçado servia para aqueles pés demasiadamente engrandecidos.

O homem era portador de Hepatite C e deixara de tomar os remédios que mantinham a doença sob controle. Também já fazia alguns meses que ele voltara ao antigo vício de beber cachaça. Foi tiro e queda ou gole e queda, como queiram. Terá sido um suicídio? Ninguém se dava ao trabalho de especular.

Uma semana depois, abri o jornal à procura do anúncio da missa de sétimo dia. Nada. E os filhos do ex-vivo, até onde sei, também não deixaram de trabalhar um dia sequer. Foi uma morte sem choro, sem vela e sem luto.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Por que amar Caruaru?

De entrada, façamos um trato: não vamos falar de futebol (a Patativa anda em baixa? Não me contem!) nem de política. Também não quero discorrer sobre a economia pujante da cidade e tampouco a respeito da polêmica e infinita discussão sobre o que é ou não forró ou o que é ou não cultura. Aliás, vou dizer só meia coisa sobre isso e, caso se enfureça demais, faça de conta que o parágrafo abaixo não existiu. Talvez ele nem faça mesmo falta.

Infelizmente, para financiar a cultura, é necessário vender a degradação da cultura. Vou trocar em miúdos, sem medo de ferir vaidades: hoje é muito difícil (impossível?) “vender”, por exemplo, o Trio Nordestino para as novas gerações, sem que o pacote inclua aquelas tais bandas do “chupa não sei o quê e senta não sei onde... Falei Trio Nordestino porque foi o primeiro que me veio à mente, mas deixo registrado que Maciel Melo, da nossa geração (que é a que estamos todos nós, vivos, vivendo agora) está aí, firme e forte, posicionando-se como um dos melhores poetas desse País. Achou que ele era só cantor e tocador? É não...

Deixo a briga para quem dela gosta. Até me arrisco às polêmicas, mas, em se tratando de Caruaru, a paixão é tão grande que eu me declaro, desde já, suspeita para falar. Sei que vai parecer pedante, mas Caruaru me lembra Paris. Não pela gastronomia, claro. Até porque quem é tão ensandecido ao ponto de trocar um irresistível bode assado com farofa por foie gras com geléia de mirtilo e torradas? O que me faz conectar a Princesa do Agreste à Cidade Luz é exatamente o amor. Ambas são paixões inesquecíveis, daquelas que, mesmo distante, teimam em nunca morrer no pensamento. E mesmo que a gente guarde a danada da paixão lá no esconderijo do inconsciente, no fundo do baú, surge a qualquer hora um rasgo de saudade boa que nos faz suspirar, tal qual quando suspiramos ao lembrar DELE ou DELA.

Poderia me debruçar por horas a fio a descrever Caruaru e de uma coisa tenho certeza: quem ama esta cidade a vê de uma forma diferente dos que apenas nela moram ou apenas estão de passagem. Eu estou sempre de passagem, que é uma outra forma de dizer que estou eternamente aqui. Há que se ter uma boa dose de lirismo para falar de Caruaru... Por falar em dose, aceita um Gim com água tônica? Foi aqui, neste bar em que agora escrevo, que experimentei a bebida pela primeira vez, depois de ter desistido da cachaça. Aquilo lá é pra seu Luiz Lacerda e Ivan Feitosa, que aguentam o tranco e o barranco. Também foi por essas áreas que provei o melhor bode guisado do mundo, conversando com gente de bem. Vez por outra aparecia um alguém controverso, mas como controversa é a vida, sempre há um banquinho sobrando em mesa em que se colecionam afetos.

Quando vem a Caruaru, que entrada você prefere? O anel viário, a tradicional ou a que vai dar na BR-104. Eu insisto na mais antiga, a tradicional que, nesta época, está toda enfeitada de bandeirolas e balões. Meu coração já começa a disparar a partir dali. Para conhecer Caruaru, você pode ir aos cartões-postais. Vale a pena: Morro do Bom Jesus, Alto do Moura, Casa de Vitalino, a Feira, o artesanato... Vá comprar roupas baratas, vá se arriscar a uns passos de forró. Tudo isso o fará conhecer a Cidade. Mas, para amar... Para amar, meu caro, é preciso um pouco mais. Carece de lembrar o cheiro, o frio, o calor, o gosto, o som, as imagens inesquecíveis, o beijo, o abraço. É como Paris. Não basta visitar o Louvre, é preciso se emocionar com a decepção de ver uma Monalisa tão pequena, quando no imaginário ela sempre nos fora maior. Convém também deitar sobre a grama da Place des Voges. Do contrário, não gaste euros: melhor ver tudinho em DVD tomando vinho de primeira.

Para amar Caruaru, você precisa se entregar ao dia a dia do seu povo e de sua cultura. Aos finais de semana, quando a maioria parte para Tamandaré (deveria existir uma lei tornando-a distrito de Caruaru), o lugar fica ainda mais lindo. Daí, andar a pé e falar com muitos conhecidos é uma preciosidade que não se encontra mais por aí. É cidade grande com a nostalgia das pequenas. Se preferir ir a Tamandaré, também lá encontrará um pouco do sotaque característico. É inconfundível. Outra lei que bem poderia pegar era a que obrigasse a escrever CARUARU com todas as letras maiúsculas, sinal de respeito e adoração.

Aos frágeis corações, um alerta: é extremamente fácil se apaixonar aqui. Basta um descuido e você é alvejado pelo acaso. É neste chão que estão muitos de meus afetos e cada vez que entro na BR-232, voltando, fica na Princesa do Agreste um pedacinho de mim. Hoje, sábado (06) É a última vez que venho a Caruaru neste mês junino. Vou perder a festa pela qual sempre espero o ano inteiro e isso já me apavora. Minhas malas já estão prontas para viajar e, pior, não é para Paris.

E no dia 23 de junho, à noite, desligarei meu celular. Porque sei que há muitos que vão me telefonar para dizer que o São João me chama. E eu vos digo em antecipação, parafraseando Jorge Amado: eu saio de Caruaru, mas Caruaru não sai de mim. Mais uma observação de saída: não concorde com tudo o que eu disse. Quem está apaixonado fala sempre com uma emoção superdimensionada. E vamos em frente.

Garçom, a conta, por gentileza!

terça-feira, 29 de junho de 2010

E se eu vivesse amanhã?

Se eu soubesse que iria morrer nesses próximos anos (e eu falo dos 10 mais próximos com extremo pavor de que as palavras tenham algum poder de vaticínio), seguramente faria muitas coisas diferentes. Você também, provavelmente... Agora, pergunto-nos: sabendo que posso morrer a qualquer momento (inclusive agora), por que não começo a fazer diferente a partir de hoje? Tranquilizo a família e os amigos garantindo não estar com nenhuma doença grave e nem com insights de tirar-me a vida. É que vez por outra me sopram pensamentos de que é possível que eu esteja fazendo tudo errado, na vã ilusão de querer fazer tudo certo. Não sei se todo mundo é assim.

Se eu morresse amanhã, iria me arrepender profundamente de ter decorado toda a tabela periódica nas aulas de química. Também não teria valido a pena ter trabalhado tanto. Eu poderia colocar isso em meu epitáfio, que teria: não descansei em paz! Eu gostaria de ter pedido algumas desculpas, pelos deslizes que andei cometendo com as pessoas durante os anos que vivi. Se eu morresse amanhã, também perdoaria a todos. Você que me lê, se acha que me deve alguma desculpa, sinta-se prontamente desculpado.

De que valeria ter me estressado no trânsito, ter deixado de comer o que eu queria, de ter perdido encontro com amigos por conta de trabalho, de ter furado algum sinal porque iria me atrasar para alguma reunião, de não ter tido paciência com algumas pessoas, de não ter usado aquela calça colorida, de não ter aprendido a tocar violão? Se eu soubesse que iria morrer amanhã, também não teria economizado tanto para o futuro. Se meu futuro é apenas meu presente, para que tantas provisões? Teria gasto tudinho em viagens. E é o que vou fazer agora, viu? Mas não tudo, porque não tenho certeza de se irei viver ou morrer amanhã. Vou ter que viver na medida da parcimônia.

E você, o que faria se só lhe restassem mais alguns anos de vida?

domingo, 27 de junho de 2010

Sobre Eva, Adão, a morte e o futuro que passou

Outro dia desses, eu estava me lembrando de uma amiga na infância, cujo nome é Eva. Tinha longos, lisos e invejáveis cabelos pretos. Seu irmão gêmeo fora batizado como Valter, mas já estava se acostumado com a alcunha óbvia de Adão. Não faço ideia de onde eles hoje estejam (lá se vão mais de 25 anos), mas o alumiamento dessa lembrança me fez refletir sobre o fato de que o tempo passa muito rápido, num abrir e fechar de olhos.

De repente, a gente acorda e não está mais no passado. Aliás, quando eu terminar de compor essas linhas já estaremos no futuro. A análise tem um motivo: estou bem à beira dos 35 anos e os humanos gostam de refletir quando estão prestes a completar idades que são múltiplas de cinco. E quando a gente passa da terceira década, os mais frouxos – entre os quais me incluo – começam a temer a peste de vestido preto que carrega uma foice. E então a gente fica a contar não só os dias que já vivemos, mas também as noites que ainda nos restam.

Pois dentro dessas reflexões estão: o que diabos estamos fazendo da nossa vida ou o que estamos deixando que façam conosco? Assunto essencial: lembrar que nossa vaidade não pode ser maior que nós mesmos nos faz liberar dessa obrigação de sermos cada vez mais ambiciosos. Podemos passar de convidado VIP a persona non grata, variando de acordo com o cargo que ocupamos, da serventia que teremos. É estranho passarmos a vida inteira trabalhando para deixarmos de trabalhar no futuro. Pois uma hora a ficha cai e notamos que não somos nada mais que o pó do cocô do cavalo do bandido, um restinho de quase nada.

Excluindo as pessoas que nos amam (e que muita gente nem sempre prioriza), nossa morte em nada interferirá no ciclo lunar, o dólar não irá sofrer qualquer alteração, a bolsa não se movimentará por conta de nossa inexistência e nem haverá luto oficial nem bandeira a meio-pau. Nem a pau. Morrer amanhã seria ruim por vários motivos, inclusive o impedimento de rever Eva e Adão (Valter, que seja...). Mas, na cruel prática, bastaria que alguém se encarregasse de cuidar de nossas lembranças, roupas e bens. Só. Somos muito pouco.

Não entenda a reflexão como depressiva, mas como uma comemoração pelo dia de hoje, porque estamos por aqui apenas de passagem. E, se é assim, eu bem gostaria de ter vindo a passeio, não a trabalho. É que por vezes que não são raras, lidamos com gente de nariz empinado de sobrenome dito “tradicional” (para mim não há nada mais tradicional que SILVA) e nós temos que nos comportar com discrição e como manda os ditames do bom trabalho. Vivemos da conveniência e, muitas vezes, somos submetidos às intempéries da vaidade alheia, quando não da nossa própria.

Há horas em que seria interessantíssimo voltar a ser criança para não ter que sorrir para quem não se quer. Os pequenos torcem o nariz, o bico e pronto. Os adultos, não. Fazem o que é melhor para si e podem mudar a qualquer momento, a depender dos interesses. Por ser um adulto certinho, não quero transgredir, mas seria divertido se, vez em quando, apertássemos o botão do FD-SE (censurei, por conveniência).

Eva e Adão, apareçam para que desapareça de mim esta cara de paisagem que precisei criar. Vivamos o presente...