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quinta-feira, 1 de julho de 2010

ENTERRO SEM LÁGRIMAS

Começo a ler os jornais pelos anúncios fúnebres. Vejo os sobrenomes, os nomes estranhos, quem convida, o local do velório, do enterro e, principalmente, os textos ali inseridos, quase todos muito parecidos... Acho interessante. Vez por outra encontro uma boa notícia, mas isso não vem ao caso. O que me motivou a escrever algo tão insólito foi a estranheza do enterro a que fui há alguns dias.

Vez em quando eu vou para enterros e ainda espero ir a muitos, muitos mais. Mas aquele era, para mim, algo protocolar. Classifico dessa forma quando o de cujus não é ninguém com quem mantenha laços afetivos, mas que está relacionado a alguém muito próximo. Eu tinha que estar presente, mesmo não sentindo nada pelo infeliz. Infeliz mesmo, porque naquele velório ninguém chorava, nenhuma alma viva ou morta; nem as moscas davam atenção para aquela caixa enorme de madeira pesada, com flores, panos e um corpo que jazia desacompanhado.

Ninguém se descabelava, nem se atirava ao caixão dizendo: “EU QUERO IR JUNTO! EU QUERO IR JUNTO”. Também não havia uma viúva alisando o rosto gélido, ninguém dopado sob efeito de calmantes e nem os dois filhos abraçados consolando-se mutuamente. Até em enterro de bandido a gente encontra alguém dizendo: “ELE NÃO MERECIA...” Será que esse home não merecia nem uma velha carpideira?

Era um enterro seu muita gente. Fiquei perplexa com a falta de quórum para uma rezazinha... Pior foi ver a ausência de várias pessoas próximas ao homem. O pai (que está muito velhinho e ninguém se dispôs a ir buscá-lo no interior), a irmã mais nova (que estava pajeando a neta recém-parida) e as ex-mulheres, que teriam dito ter mais o que fazer. A atual esposa, de uma série de cinco, era a única que estava desolada num canto. Todo o resto conversava e contava a história de como tinham sido os últimos dias do homem. E eu, com meu sangue italiano, que me faz explodir em lágrimas para qualquer cãozinho manco que passe na rua, também não conseguia me emocionar o suficiente para sequer marejar os olhos. Cruz-credo, que frieza...

Ele não morrera subitamente, a morte já estava sendo esperada havia uma semana. Passou quase dez dias internado no hospital com insuficiência hepática. Talvez por isso, estava tão amarelado. Meus parcos conhecimentos médicos advindos de uma hipocondria controlada me dizem que deveria ser impregnação de bilirrubina. O inchaço era tanto que o desgraçado precisou ser enterrado descalço, pois nenhum calçado servia para aqueles pés demasiadamente engrandecidos.

O homem era portador de Hepatite C e deixara de tomar os remédios que mantinham a doença sob controle. Também já fazia alguns meses que ele voltara ao antigo vício de beber cachaça. Foi tiro e queda ou gole e queda, como queiram. Terá sido um suicídio? Ninguém se dava ao trabalho de especular.

Uma semana depois, abri o jornal à procura do anúncio da missa de sétimo dia. Nada. E os filhos do ex-vivo, até onde sei, também não deixaram de trabalhar um dia sequer. Foi uma morte sem choro, sem vela e sem luto.

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