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quarta-feira, 7 de julho de 2010

Viver é colecionar afetos

Ouvi esta semana, de um velhinho que filosofava alto, em um banco qualquer da aprazível Praça de Casa Forte, que viver é colecionar afetos e descartar desafetos. Continuei caminhando até completar uma volta inteira e olhar para aquele senhor, que deveria ter uns 80 e tantos anos e alguma história de vida para contar. Ele insistia: “guarde os afetos, esqueça os desafetos”. Desisti da caminhada para ouvi-lo de um banco próximo: “De nada valem as pétalas do mal-me-quer, fique só com as boas querenças”.

Não estava bêbado o homem, não se apresentava mal vestido e tampouco parecia padecer das agruras intelectuais da senilidade. Eu quis conversar, porém recuei, no receito de que ele ocupasse minhas horas de trabalho. Devo ter perdido alguns ensinamentos de vida, mas gravei na memória muito do que testemunhavam árvores e caminhantes.

Dizia ele sentir falta dos amigos. Falou saudosamente de um tal Roberto Paiva e senti-o quase chorar. O filósofo discursava: “quantas confissões fiz, quantas lágrimas e risos pude compartilhar com pessoas que titulei eu próprio de amigos...” Eu pensava junto também (em silêncio) que nossos afetos vão muito além de relações de sangue ou de amores carnais. Amigos são seres especiais por nós escolhidos para que estejam ao nosso lado na caminhada.

Minutos depois, o velho falava do Recife de ontem, das farras em clubes, de carnavais, das viagens que fez e até de algumas paixões. E repetia várias vezes: “que saudade de Roberto.” Já se passavam uns quarenta minutos e eu precisava voltar, mas fiquei mais um pouco. Queria saber mais sobre aquele tal amigo, pai, filho ou até paixão recôndita chamada Roberto. Apostei que seria amizade, um grande afeto, um irmão de coração, desses que a gente jamais esquece.

O homem discursava ao léu, mas os taxistas da Praça também podiam ouvi-lo. Era quase uma pregação: “Viva o presente. O amanhã nem existe, o ontem já se foi... Quantos sorrisos perdemos por estarmos preocupados com o amanhã... Quantas preocupações ganhamos por não desviar nossa mente do ontem...Que saudade de Roberto Paiva”.

Eu já ia embora quando uma jovem fardada de enfermeira (talvez, era roupa branca, nunca se sabe), que estava próxima ao ponto de táxi, aproximou-se dele e disse: “Vamos? Está na hora!” Ele a acompanhou com seus passos hesitantes. A moça o conduziu a um veículo com um motorista e outro passageiro ao lado. E partiram...

Os taxistas acenaram para ela. Nessa hora, eu me levantei e perguntei: esse senhor é alguém famoso? Algum escritor? Professor? E os taxistas disseram que não sabiam a profissão, mas que uma vez por semana, o “doutor” Roberto sentava naquele mesmo banco, há vários anos.

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