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quarta-feira, 30 de junho de 2010

Por que amar Caruaru?

De entrada, façamos um trato: não vamos falar de futebol (a Patativa anda em baixa? Não me contem!) nem de política. Também não quero discorrer sobre a economia pujante da cidade e tampouco a respeito da polêmica e infinita discussão sobre o que é ou não forró ou o que é ou não cultura. Aliás, vou dizer só meia coisa sobre isso e, caso se enfureça demais, faça de conta que o parágrafo abaixo não existiu. Talvez ele nem faça mesmo falta.

Infelizmente, para financiar a cultura, é necessário vender a degradação da cultura. Vou trocar em miúdos, sem medo de ferir vaidades: hoje é muito difícil (impossível?) “vender”, por exemplo, o Trio Nordestino para as novas gerações, sem que o pacote inclua aquelas tais bandas do “chupa não sei o quê e senta não sei onde... Falei Trio Nordestino porque foi o primeiro que me veio à mente, mas deixo registrado que Maciel Melo, da nossa geração (que é a que estamos todos nós, vivos, vivendo agora) está aí, firme e forte, posicionando-se como um dos melhores poetas desse País. Achou que ele era só cantor e tocador? É não...

Deixo a briga para quem dela gosta. Até me arrisco às polêmicas, mas, em se tratando de Caruaru, a paixão é tão grande que eu me declaro, desde já, suspeita para falar. Sei que vai parecer pedante, mas Caruaru me lembra Paris. Não pela gastronomia, claro. Até porque quem é tão ensandecido ao ponto de trocar um irresistível bode assado com farofa por foie gras com geléia de mirtilo e torradas? O que me faz conectar a Princesa do Agreste à Cidade Luz é exatamente o amor. Ambas são paixões inesquecíveis, daquelas que, mesmo distante, teimam em nunca morrer no pensamento. E mesmo que a gente guarde a danada da paixão lá no esconderijo do inconsciente, no fundo do baú, surge a qualquer hora um rasgo de saudade boa que nos faz suspirar, tal qual quando suspiramos ao lembrar DELE ou DELA.

Poderia me debruçar por horas a fio a descrever Caruaru e de uma coisa tenho certeza: quem ama esta cidade a vê de uma forma diferente dos que apenas nela moram ou apenas estão de passagem. Eu estou sempre de passagem, que é uma outra forma de dizer que estou eternamente aqui. Há que se ter uma boa dose de lirismo para falar de Caruaru... Por falar em dose, aceita um Gim com água tônica? Foi aqui, neste bar em que agora escrevo, que experimentei a bebida pela primeira vez, depois de ter desistido da cachaça. Aquilo lá é pra seu Luiz Lacerda e Ivan Feitosa, que aguentam o tranco e o barranco. Também foi por essas áreas que provei o melhor bode guisado do mundo, conversando com gente de bem. Vez por outra aparecia um alguém controverso, mas como controversa é a vida, sempre há um banquinho sobrando em mesa em que se colecionam afetos.

Quando vem a Caruaru, que entrada você prefere? O anel viário, a tradicional ou a que vai dar na BR-104. Eu insisto na mais antiga, a tradicional que, nesta época, está toda enfeitada de bandeirolas e balões. Meu coração já começa a disparar a partir dali. Para conhecer Caruaru, você pode ir aos cartões-postais. Vale a pena: Morro do Bom Jesus, Alto do Moura, Casa de Vitalino, a Feira, o artesanato... Vá comprar roupas baratas, vá se arriscar a uns passos de forró. Tudo isso o fará conhecer a Cidade. Mas, para amar... Para amar, meu caro, é preciso um pouco mais. Carece de lembrar o cheiro, o frio, o calor, o gosto, o som, as imagens inesquecíveis, o beijo, o abraço. É como Paris. Não basta visitar o Louvre, é preciso se emocionar com a decepção de ver uma Monalisa tão pequena, quando no imaginário ela sempre nos fora maior. Convém também deitar sobre a grama da Place des Voges. Do contrário, não gaste euros: melhor ver tudinho em DVD tomando vinho de primeira.

Para amar Caruaru, você precisa se entregar ao dia a dia do seu povo e de sua cultura. Aos finais de semana, quando a maioria parte para Tamandaré (deveria existir uma lei tornando-a distrito de Caruaru), o lugar fica ainda mais lindo. Daí, andar a pé e falar com muitos conhecidos é uma preciosidade que não se encontra mais por aí. É cidade grande com a nostalgia das pequenas. Se preferir ir a Tamandaré, também lá encontrará um pouco do sotaque característico. É inconfundível. Outra lei que bem poderia pegar era a que obrigasse a escrever CARUARU com todas as letras maiúsculas, sinal de respeito e adoração.

Aos frágeis corações, um alerta: é extremamente fácil se apaixonar aqui. Basta um descuido e você é alvejado pelo acaso. É neste chão que estão muitos de meus afetos e cada vez que entro na BR-232, voltando, fica na Princesa do Agreste um pedacinho de mim. Hoje, sábado (06) É a última vez que venho a Caruaru neste mês junino. Vou perder a festa pela qual sempre espero o ano inteiro e isso já me apavora. Minhas malas já estão prontas para viajar e, pior, não é para Paris.

E no dia 23 de junho, à noite, desligarei meu celular. Porque sei que há muitos que vão me telefonar para dizer que o São João me chama. E eu vos digo em antecipação, parafraseando Jorge Amado: eu saio de Caruaru, mas Caruaru não sai de mim. Mais uma observação de saída: não concorde com tudo o que eu disse. Quem está apaixonado fala sempre com uma emoção superdimensionada. E vamos em frente.

Garçom, a conta, por gentileza!

terça-feira, 29 de junho de 2010

E se eu vivesse amanhã?

Se eu soubesse que iria morrer nesses próximos anos (e eu falo dos 10 mais próximos com extremo pavor de que as palavras tenham algum poder de vaticínio), seguramente faria muitas coisas diferentes. Você também, provavelmente... Agora, pergunto-nos: sabendo que posso morrer a qualquer momento (inclusive agora), por que não começo a fazer diferente a partir de hoje? Tranquilizo a família e os amigos garantindo não estar com nenhuma doença grave e nem com insights de tirar-me a vida. É que vez por outra me sopram pensamentos de que é possível que eu esteja fazendo tudo errado, na vã ilusão de querer fazer tudo certo. Não sei se todo mundo é assim.

Se eu morresse amanhã, iria me arrepender profundamente de ter decorado toda a tabela periódica nas aulas de química. Também não teria valido a pena ter trabalhado tanto. Eu poderia colocar isso em meu epitáfio, que teria: não descansei em paz! Eu gostaria de ter pedido algumas desculpas, pelos deslizes que andei cometendo com as pessoas durante os anos que vivi. Se eu morresse amanhã, também perdoaria a todos. Você que me lê, se acha que me deve alguma desculpa, sinta-se prontamente desculpado.

De que valeria ter me estressado no trânsito, ter deixado de comer o que eu queria, de ter perdido encontro com amigos por conta de trabalho, de ter furado algum sinal porque iria me atrasar para alguma reunião, de não ter tido paciência com algumas pessoas, de não ter usado aquela calça colorida, de não ter aprendido a tocar violão? Se eu soubesse que iria morrer amanhã, também não teria economizado tanto para o futuro. Se meu futuro é apenas meu presente, para que tantas provisões? Teria gasto tudinho em viagens. E é o que vou fazer agora, viu? Mas não tudo, porque não tenho certeza de se irei viver ou morrer amanhã. Vou ter que viver na medida da parcimônia.

E você, o que faria se só lhe restassem mais alguns anos de vida?

domingo, 27 de junho de 2010

Sobre Eva, Adão, a morte e o futuro que passou

Outro dia desses, eu estava me lembrando de uma amiga na infância, cujo nome é Eva. Tinha longos, lisos e invejáveis cabelos pretos. Seu irmão gêmeo fora batizado como Valter, mas já estava se acostumado com a alcunha óbvia de Adão. Não faço ideia de onde eles hoje estejam (lá se vão mais de 25 anos), mas o alumiamento dessa lembrança me fez refletir sobre o fato de que o tempo passa muito rápido, num abrir e fechar de olhos.

De repente, a gente acorda e não está mais no passado. Aliás, quando eu terminar de compor essas linhas já estaremos no futuro. A análise tem um motivo: estou bem à beira dos 35 anos e os humanos gostam de refletir quando estão prestes a completar idades que são múltiplas de cinco. E quando a gente passa da terceira década, os mais frouxos – entre os quais me incluo – começam a temer a peste de vestido preto que carrega uma foice. E então a gente fica a contar não só os dias que já vivemos, mas também as noites que ainda nos restam.

Pois dentro dessas reflexões estão: o que diabos estamos fazendo da nossa vida ou o que estamos deixando que façam conosco? Assunto essencial: lembrar que nossa vaidade não pode ser maior que nós mesmos nos faz liberar dessa obrigação de sermos cada vez mais ambiciosos. Podemos passar de convidado VIP a persona non grata, variando de acordo com o cargo que ocupamos, da serventia que teremos. É estranho passarmos a vida inteira trabalhando para deixarmos de trabalhar no futuro. Pois uma hora a ficha cai e notamos que não somos nada mais que o pó do cocô do cavalo do bandido, um restinho de quase nada.

Excluindo as pessoas que nos amam (e que muita gente nem sempre prioriza), nossa morte em nada interferirá no ciclo lunar, o dólar não irá sofrer qualquer alteração, a bolsa não se movimentará por conta de nossa inexistência e nem haverá luto oficial nem bandeira a meio-pau. Nem a pau. Morrer amanhã seria ruim por vários motivos, inclusive o impedimento de rever Eva e Adão (Valter, que seja...). Mas, na cruel prática, bastaria que alguém se encarregasse de cuidar de nossas lembranças, roupas e bens. Só. Somos muito pouco.

Não entenda a reflexão como depressiva, mas como uma comemoração pelo dia de hoje, porque estamos por aqui apenas de passagem. E, se é assim, eu bem gostaria de ter vindo a passeio, não a trabalho. É que por vezes que não são raras, lidamos com gente de nariz empinado de sobrenome dito “tradicional” (para mim não há nada mais tradicional que SILVA) e nós temos que nos comportar com discrição e como manda os ditames do bom trabalho. Vivemos da conveniência e, muitas vezes, somos submetidos às intempéries da vaidade alheia, quando não da nossa própria.

Há horas em que seria interessantíssimo voltar a ser criança para não ter que sorrir para quem não se quer. Os pequenos torcem o nariz, o bico e pronto. Os adultos, não. Fazem o que é melhor para si e podem mudar a qualquer momento, a depender dos interesses. Por ser um adulto certinho, não quero transgredir, mas seria divertido se, vez em quando, apertássemos o botão do FD-SE (censurei, por conveniência).

Eva e Adão, apareçam para que desapareça de mim esta cara de paisagem que precisei criar. Vivamos o presente...